Os impasses da supervisão

Déborah Pimentel

Ninguém se faz analista porque está em análise ou tampouco se aprende a ser analista através de uma supervisão, talvez então, a proposta de uma supervisão não seja necessariamente acompanhar um caso clínico com alguém mais experiente do lado. Quando Freud em 1937 no seu escrito “Análise terminável e interminável” se questionava onde o desgraçado aspirante“ iria adquirir qualidades ideais para o exercício de sua prática analítica, ele realmente punha a análise pessoal deste jovem analista como uma condição essencial e claro que é assim mesmo, mas Freud nos disse também, que não basta ser analisado para tornar-se analista, ele estava aí lançando a idéia da necessidade do candidato romper com o estilo e identificação com o seu próprio analista não se fazendo prisioneiro de um só mestre, e também com os modelos e exigências de ordem institucional, buscando um caminho próprio, identificando-se na condição de psicanalista, conferindo um desejo elaborado na sua análise pessoal. E diante do seu analisando que possa se dar conta do seu próprio inconsciente tocado inúmeras vezes pelo material que lhe é tratado e que lhe remete, sempre, à sua própria análise.

Ainda que a prática psicanalítica varie de acordo com as doutrinas teóricas vigentes e com o estilo pessoal de cada analista, o sue método é bem definido e através dele nos reconhecemos praticando a psicanálise, uma vez que SETTING – DIVÃ – ASSOCIAÇÃO – LIVRE – ATENÇÃO FLUTUANTE – ABSTINÊNCIA – MANEJO DE TRANSFERÊNCIA – INTERPRETAÇÃO são referenciais técnicos universalmente conhecidos. O mesmo já não se pode dizer com relação a supervisão, pois falta uma metodologia específica a despeito da supervisão ser tão importante e funcionar como critério na formação analítica e sua exigência unanimidade entre as instituições.

As motivações para a supervisão são de ordens diversas. Diante dos impasses da clínica, o analista se sente muito só, destituído de suas referências, esquecido de si mesmo, ele sente necessidade de procurar um terceiro ( quer seja a comunidade onde está inserido quer seja um supervisor) para que testemunhe a sua função de analista. Alguém com quem possa partilhar suas e experiências ou ainda elucidar seus pontos cegos tocados pela história do seu analisando e que bloqueiam a sua escuta analítica.

Por outro lado, existe também a exigência da instituição que cobra a supervisão como um critério da formação psicanalítica a ser cumprido. Qual seria então a melhor hora para iniciar a supervisão? O jovem analista certamente não terá nenhuma outra oportunidade, salvo na sua própria experiência analítica, de se confrontar com as questões que envolvem a disparidade das relações entre oferta e demanda e o que daí pode advir. Dentro de uma visão ética dir-se-ia que só se é psicanalista para quem quer ser seu analisando e a supervisão se daria portanto, como uma chance, ímpar, de se perceber tendo uma experiência da prática clínica, se dar conta de suas intervenções que sustentam o ato psicanalítico, conhecer seus limites dentro dele a partir de sua própria história e dos seus referenciais, ratificar o lugar que ele ocupa, delegado pelo seu analisando a ser reconhecido no confronto com a prática de um outro analista.

Para entender as questões inerentes a uma supervisão é preciso antes entender os seus objetivos. Para que serve uma supervisão? Do que ela trata, senão dos fenômenos transferenciais e contra-transferenciais que instalam às vezes algumas dificuldades que bloqueiam o desenrolar de um processo diante das identificações imaginárias? O objetivo de uma supervisão é criar possibilidades do jovem analista identificar a transferência, não se deixar capturar por ela sob efeito de sua contra-transferência , se permitir rever próprios pontos cegos e o que é mais importante, renunciar diante do seu analisando o seu próprio desejo e à qualquer categoria de poder. A supervisão, às vezes é o único lugar possível de se perceber elementos que em última instância pertencem a análise pessoal do analista e que podem estar conduzindo o processo do seu analisando por veredas indesejáveis. No entanto, um processo de supervisão não autoriza o supervisor interpretar o jovem colega, arvorando-se do papel de seu analista. No máximo, cabe ao supervisor identificar aspectos contra-transferenciais. Às vezes o analista de um determinado sujeito se flagra experimentado certas emoções ou tomando certas posições que lhe surpreendem e que de alguma sorte dizem respeito à necessidade do seu analisando. Pode ser que aquele analisando esteja de fato mobilizando antigos conflitos do analista, mas pode ser também um efeito daquilo que o seu analisando projetou nele. Daí a necessidade de se discriminar a contra-transferência da contra-identificação projetiva, que é, bem verdade, um aspecto da contra-transferência , só que provocado pelo analisando, que torna o analista um objeto passivo se suas projeções. A contra-transferência, ainda que identificada na supervisão, é problema da análise, mas a contra-identificação projetiva é questão a ser abordada na supervisão.

O supervisor deve-se fazer entender pelo jovem analista quanto a importância de que tal qual a psicanálise, a supervisão requer um enquadre próprio com o objetivo de salvaguardar o processo de quaisquer interferências por ambas as partes e marcar com o enquadre a diferença dessa nova experiência, da experiência psicanalítica, uma vez que o jovem analista tem, às vezes, uma necessidade de colocar o seu supervisor no lugar de analista, escamoteando uma demanda analítica.

Algumas condições de enquadre dizem respeito aos horários, que devem ser preestabelecidos e a regularidade das sessões. Esta forma de trabalhar, dentro de um enquadre, favorece o entendimento que o jovem analista terá, e a sua futura interpretação, de faltas ou atrasos que o seu analisando, porventura, promova. Os honorários devem ser tratados da mesma forma e o supervisor deveria cobrar o mesmo que cobra pelas suas horas de análise.

O supervisor deve tentar conhecer de alguma sorte a forma e a dinâmica do trabalho exercido pelo seu supervisionado e que sem dúvida pode trazer implicações em um processo psicanalítico Poe ele “conduzido”. Dados como o ambiente físico que o supervisionado trabalha, se numa clinica com outros especialistas, em um consultório, se na sua própria casa, com ou sem recepcionista, quem recebe o cliente, disposição dos móveis e ainda, como seu analisando interage com aquele espaço.

O processo de supervisão se inicia quando o jovem analista está preparando, logo apos as sessões, suas anotações. A experiência analítica é impossível de ser compartilhada ou transmitida a um terceiro, o que gera um impasse: as anotações que tentam capturar em um registro as sessões clínicas serão sempre infiéis. O importante, no entanto, não são as anotações , mas o que da sessão foi percebido como dificuldade. Logo aí, na tentativa de levar algo para seu supervisor, o jovem analista terá chance de repensar sobre o que na sessão ocorreu e vai dar conta de aspectos que não conseguiu perceber no transcurso dela, mas que agora podem ser elaborados. Vai ter oportunidade ainda de fazer uma análise de suas intervenções e as razões conscientes e inconscientes que as motivaram. Na hora do encontro com o supervisor grande parte do processo de supervisão já transcorreu sem que o supervisionado tenha percebido.

Poderá ser enriquecedor supervisionando e supervisor se este último puder falar do seu próprio trajeto, afinal a supervisão é uma via de mão dupla. Supervisor e supervisionando acabam sendo, juntos, observadores de uma experiência clínica que enriquece a ambos e promove um reconhecimento mútuo.

Um supervisor ao dar sua versão de uma interpretação, revelando sue jeito de elaborar o material clínico pretende, em regra, apenas provocar as associações do seu supervisionando acerca do caso, levando o jovem analista a considerar seu próprio auto conhecimento, porque afinal, a finalidade do supervisor não é oferecer modelos de interpretação, mas oferecer uma chance do jovem analista exercitar e desenvolver sua percepção e elaboração do material com que ele lida com a clínica. Por outro lado, se o supervisor expõe sua forma de trabalho com o intuito de revelar alguma verdade com postulações dogmáticas, provocará imensa angústia no seu supervisionado bloqueando as possibilidades de sustentação do trabalho clínico do seu jovem colega.

Na realidade, a supervisão não é nenhuma aula de como se faz análise, pois o jovem analista “aprende” na prática, numa experiência arriscada que se consolida com os efeitos dos seus atos e sem garantia com relação aos erros. Cabe ao supervisor um papel secundário: de testemunha. O caminho de uma cura é lento e o psicanalista solitário terá que responder pelos seus atos que lhe provocam tanto horror por serem imprevisíveis os seus efeitos. Terá ainda que se lembrar quão nociva pode ser a sua obstinação terapêutica e o orgulho terapêutico que Freud se referia algumas vezes e que o analista precisa resistir a uma necessidade de gratificar quer os desejos do seu analisando, quer os seus próprios.

A supervisão, como a psicanálise, traz riscos que precisam ser identificados. O primeiro deles é a confusão que pode se estabelecer entre os limites tênues da supervisão e da psicanálise do supervisionando, quer por dificuldades do jovem analista que pode estar encobrindo com a supervisão uma demanda de análise, que por parte do supervisor que pode confundir o seu papel. Uma outra dificuldade que se vislumbra, também já abordada aqui, é inerente ao supervisor e ao seu desejo de exercer um controle sobre o caso clínico do seu supervisionando tornando-se efetivamente responsável pelo seu sucesso ou provável fracasso, na medida que sua palavra pode ter efeitos diretos no analisando do seu jovem colega. É preciso que o supervisor mantenha um certo afastamento, não rivalizando com o colega e não ocupando de forma fantasmática seu lugar, com a sua fala no lugar da fala do seu supervisionando, assujeitando-o..

A supervisão, ainda que em algumas situações seja uma exigência institucional, é de fato um tempo além das sessões com o seu analisando diante de um terceiro, que favorece ao jovem analista a compreensão de sua prática e os componentes aí envolvidos, e que dizem respeito à técnica, à sua escuta e ao manejo da transferência.

Se a supervisão se dá a nível institucional tem, sem dúvida, valor de reconhecimento, fortalecendo a identidade desse analista. Por outro lado, corre o risco de uma formalização que pode ir de encontro ao desejo do sujeito.

Alguns jovens analistas se sentem ansiosos e pressionados pela supervisão e querem “dar conta” de tudo o que ocorre numa sessão, ou pode ocorrer o oposto, sentem-se inibidos diante do lugar que precisam ocupar diante do seu analisando. Uma ou outra alternativa leva o jovem analista a impasses quer interpretando maniacamente, quer fazendo longas construções, quer negando o entendimento que conseguiu sobre o material trazido pelo seu analisando e com isso ou faz intervenções inadequadas ou se recusa a interpretar.

Existem também aqueles analistas em supervisa que tentam sabotar o processo por conta da inveja suscitada pelo seu supervisor comportando-se de forma crítica ou agressiva.

Lembramos ainda aqueles casos em que o supervisionado tenta oprimir e checar o seu supervisor um rival. É possível que se trate apenas de uma fantasia persecutória suscitada pela experiência da supervisão ou ainda é preciso que o supervisor reveja que posição afinal ele ocupa no processo.

As idéias persecutórias podem se manifestar também de uma outra forma, na medida que o jovem analista se sinta invadido, quaisquer que sejam as suas razões, pelo seu supervisor e isso se constitua uma ameaça, defender-se-á nas sessões de supervisão, preenchendo todos os espaços cassando a fala do supervisor.

É preciso que o supervisor perceba o espaço que ocupa no imaginário do seu supervisionando. A psicanálise com a sua teoria e possibilidades que envolvem a técnica, tem um único objetivo que é a apreensão do inconsciente e o que talvez, a supervisão possa de melhor oferecer, seja a possibilidade de articulação de vários referenciais, tais como, a prática que transcorre em um processo entre o analista e o seu analisando, a teoria adquirida nos seus estudos e a sua própria história incluindo aí o analista, o seu supervisor e a sua instituição. São, de fato, muitas variáveis que se combinam e hão de se manifestar dando à supervisão um caráter específico e um estatuto de impossibilidade.

( PIMENTEL,Déborah: A Clínica Psicanalítica Hoje - II Jornada Norte Nordeste do Círculo Brasileiro de Psicanálise e VI Jornada do Círculo Psicanalítico de Sergipe, 15-18 de novembro de 1995, página 60-64.)